Carolina
de Andrade
Aos oito, ele mandou um e-mail para as pessoas da escola onde
estudava (e sofria bullying) avisando ser "uma menina presa em um corpo de
menino". E passou a se vestir como garota. Aos dez, disse à mãe que se
mataria se começasse a "virar homem". Steve Meddle/Rex Features
Jackie Green, primeira transexual finalista do concurso de Miss Inglaterra.
Aos 11, Jack teve uma overdose e fez outras seis tentativas
de suicídio antes de completar 16 anos.
Como a lei inglesa não permite cirurgia de mudança de sexo
antes dos 18, Jack foi operado na Tailândia, aos 16.
A história de Jack, que a rede de TV britânica BBC exibe
hoje, mostra os contornos e as dores do transtorno de identidade sexual na
infância. Jackie Green tem agora 19 anos, é modelo e foi a primeira finalista
transexual do concurso de Miss Inglaterra.
A OMS define o fenômeno como o desejo, manifesto antes da
puberdade, de ser (ou de insistir que é) do outro sexo. O termo
"transexualismo" só é usado para adultos.
Não há estatísticas de incidência do fenômeno. Entre pessoas
acima de 15 anos, estima-se que um a cada 625 mil seja transexual, segundo o
psiquiatra Alexandre Saadeh.
De acordo com Carmita Abdo, do programa de estudos em
sexualidade da USP, a experiência clínica mostra que só um terço das crianças
com o transtorno serão transexuais.
Na visão da psiquiatria, transexualidade não é escolha, como
querem alguns setores. Como psiquiatra, é claro que Alexandre Saadeh defende o
diagnóstico de transtorno de identidade sexual na infância -- embora critique
seu uso estigmatizante.
Professor da PUC-SP e coordenador do Ambulatório de
Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas
de São Paulo, ele conta como a medicina caracteriza o problema, à luz das
últimas pesquisas.
Folha - Como saber se a criança
sofre de transtorno de identidade de gênero?
Alexandre Saadeh - Pode ser que a criança esteja só
brincando de assumir um papel, o que é comum entre os quatro e os seis anos,
faz parte do desenvolvimento. Para constatar o transtorno é preciso que o
comportamento ocorra por tempo prolongado.
Quais são os indícios?
Não é só o uso de roupas ou a criança se chamar por nome do
outro gênero. Ela apresenta outros sinais: fica deprimida, irritada e agressiva
se é obrigada a se comportar segundo o sexo anatômico. A necessidade de ser
tratada como se fosse do outro gênero é constante. Muitas percebem que o
comportamento incomoda os pais, aí o escondem. Os primeiros indícios surgem na
infância, mas são raros os casos em que é claro desde o início se tratar de
transexualismo. Nem toda criança com o transtorno fará cirurgia de mudança de
sexo quando adulta. Mas todo transexual teve o transtorno. A criança deve ser
avaliada por profissionais para evitar diagnósticos equivocados.
Quais são as causas?
Há evidências de que a diferenciação cerebral intrauterina
pode ser influenciada por níveis de andrógenos [hormônios que desenvolvem as
características sexuais masculinas] circulantes na gestação, o que pode gerar
um cérebro masculino ou feminino, independentemente da anatomia já definida.
Apesar da importância do ambiente e da cultura, não há evidências de como esses
fatores se acrescentam aos fenômenos biológicos.
Quais são as alternativas após o
diagnóstico da criança?
Pais e profissionais devem ajudar a criança a vivenciar o
transtorno e, se for o caso, superá-lo; se não, a vivenciá-lo de maneira
integral, sem censura. Não é fácil para nenhum pai ou mãe se adaptar a essa
transformação, mas quando se pensa em respeito e aceitação pela diferença e por
quem é de verdade o filho ou filha, fica mais palatável. No Brasil, a cirurgia
só pode ser feita após os 21 anos, mas o uso dos hormônios pode começar a partir
dos 18. Se tivermos certeza de que o adolescente já é um transexual, é possível
tentar autorização junto ao Conselho Federal de Medicina para começar o
tratamento hormonal antes.
Os efeitos do tratamento hormonal
para impedir a puberdade são reversíveis?
Há a possibilidade de se bloquear o desenvolvimento das
características masculinas ou femininas do adolescente, ou já fazer o
tratamento hormonal específico para o gênero desejado. Alguns efeitos são
reversíveis, outros não, por isso a controvérsia e a responsabilidade da
indicação desse tipo de intervenção, o que aumenta mais a importância do
diagnóstico. Sou a favor do bloqueio e do tratamento hormonal, já que impedem
que a pessoa passe pelo sofrimento de desenvolver caracteres sexuais de seu
sexo anatômico e não de sua identidade de gênero.
A visão do transexualismo como
transtorno é unânime?
Para os [profissionais] que se preocupam em se atualizar nas
pesquisas, é, sim. O problema é confundir transexualismo e homossexualidade ou
tratar como doença mental. É um transtorno do desenvolvimento cerebral. As
explicações psicológicas clássicas não conseguem mais caracterizar o fenômeno.
As ciências humanas tendem a ser contra o diagnóstico e o consideram
estigmatizante, do que discordo. Pode haver esse uso do diagnóstico, mas não é
essa a finalidade.
Qual sua opinião sobre os
movimentos pela "despatologização" do transexualismo?
Acredito no diagnóstico como delineador, não como
estigmatizante. Como psiquiatra, não posso achar que o transexualismo seja questão
de escolha. É questão de desenvolvimento embrionário, relacionada ao
desenvolvimento cerebral na fase de diferenciação entre cérebro masculino e
feminino.
Como vê o "gender-neutral
parenting", essas tentativas de criar uma educação sem estereótipos sexuais,
a exemplo de uma escola na Suécia que não usa "ele" ou
"ela" para se referir às crianças?
A sociedade
funciona com diferenciação de gêneros. A criança terá contato com os gêneros
cedo ou tarde e isso pode gerar confusão.
Disponível em
http://noticias.bol.uol.com.br/ciencia/2012/11/20/transtorno-de-identidade-sexual-na-infancia-divide-especialistas.jhtm.
Acesso em 29 nov 2012.
EXERCÍCIO LÚDICO: PREENCIMENTO TEXTUAL